quinta-feira, 29 de julho de 2010

O CHEFE



Ex-petista escreve livro contra partido e era Lula; leia trecho de "O Chefe"

da Livraria da Folha

Livro revela detalhes do mensalão, escândalo que abalou o governo

O ex-petista Ivo Patarra, 47, compilou, organizou e editou todo o material produzido sobre o PT durante os 13 meses do escândalo do mensalão, o maior esquema de corrupção governamental de que se tem notícia no Brasil.

Com o resultado desse trabalho de pesquisa, escreveu "O Chefe", livro que traz os inquéritos, relatórios, sindicâncias, investigações e reportagens da época. O título é uma produção independente.

Os documentos contidos no volume sintetizam as investigações realizadas pelo Ministério Público, pela Polícia Federal, pelas Comissões Parlamentares de Inquérito e outras fontes, como as apurações da imprensa brasileira.

Nascido em São Paulo, Patarra é jornalista e foi assessor de comunicação social da ex-prefeita, e também ex-petista, Luiza Erundina, durante a gestão 1989-1992. Trabalhou nos jornais Folha de S.Paulo, "Folha da Tarde", "Diário Popular" e "Jornal da Tarde". Leia um trecho.

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Capítulo 1
'O governo Lula é o mais corrupto de nossa história'
Qual a justificativa para o presidente da República nomear como ministro e integrante de seu primeiro escalão de auxiliares o homem que publicara, num dos jornais mais importantes do País, que ele, o presidente, era o chefe do governo "mais corrupto de nossa história"?

Pois Luiz Inácio Lula da Silva, o Lula, nomeou o filósofo Roberto Mangabeira Unger no primeiro semestre de seu segundo mandato, em 2007, ministro da Secretaria de Planejamento de Longo Prazo, especialmente constituída para abrigá-lo. E não adiantou nem o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) inviabilizá-la tempos depois, durante uma rebelião para obter mais cargos no governo e proteção para o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), o então presidente do Senado, acusado de corrupção. Apesar de o PMDB derrotar a Medida Provisória que criara o posto para Roberto Mangabeira Unger, Lula deu um jeito na situação, nomeando-o novamente, desta vez como ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos. A posição do detrator estava garantida.

"Pôr fim ao governo Lula" é o título do artigo de Roberto Mangabeira Unger publicado na Folha de S.Paulo em 15 de novembro de 2005, no sugestivo dia da Proclamação da República. O ano de 2005 havia sido marcado pela eclosão do escândalo do mensalão. Este é o parágrafo de abertura do artigo:

"Afirmo que o governo Lula é o mais corrupto de nossa história nacional. Corrupção tanto mais nefasta por servir à compra de congressistas, à politização da Polícia Federal e das agências reguladoras, ao achincalhamento dos partidos políticos e à tentativa de dobrar qualquer instituição do Estado capaz de se contrapor a seus desmandos."

O que poderia ter levado o presidente da República a nomear como ministro o autor dessas acusações? E Roberto Mangabeira Unger não estava brincado, a julgar pela defesa que fez do impeachment de Lula. Ao denunciar "a gravidade dos crimes de responsabilidade" supostamente cometidos pelo presidente, o então futuro ministro afirmou em seu artigo que Lula "comandou, com um olho fechado e outro aberto, um aparato político que trocou dinheiro por poder e poder por dinheiro e que depois tentou comprar, com a liberação de recursos orçamentários, apoio para interromper a investigação de seus abusos".

Alguém poderia argumentar que a nomeação de Roberto Mangabeira Unger seria um mal necessário. Coisa da política. E tentar explicá-la pela importância do filósofo, um professor da prestigiada Universidade de Harvard, das mais importantes dos Estados Unidos, por quase 40 anos. O Brasil, portanto, não poderia prescindir da experiência e do prestígio de Roberto Mangabeira Unger, que teria muito a contribuir com o País.

Será mesmo? A cerimônia de posse do filósofo não demonstrou isso. Poucos ministros, cadeiras vazias, menos de uma hora de solenidade. E mesmo antes da criticada viagem de Roberto Mangabeira Unger à Amazônia, em 2008, na qual defendeu o desvio de águas da região para abastecer o Nordeste, sem considerar que centenas de milhares de amazonenses ainda não dispunham de água encanada, o ministro já era considerado, em âmbito do governo, "café-com-leite". Ou seja, não lhe era atribuída importância, nem de seu trabalho haveria algo para se aproveitar.

Outro trecho do artigo de Roberto Mangabeira Unger: "Afirmo ser obrigação do Congresso Nacional declarar prontamente o impedimento do presidente. As provas acumuladas de seu envolvimento em crimes de responsabilidade podem ainda não bastar para assegurar sua condenação em juízo. Já são, porém, mais do que suficientes para atender ao critério constitucional do impedimento. Desde o primeiro dia de seu mandato o presidente desrespeitou as instituições republicanas. Imiscuiu-se e deixou que seus mais próximos se imiscuíssem, em disputas e negócios privados".

Talvez, então, a razão para a nomeação de Roberto Mangabeira Unger tenha sido de ordem político-partidária. Ou seja, o filósofo traria para o governo a base social representada por seu partido, ampliando o número de legendas que davam sustentação à administração Lula no Congresso. Como vimos, no entanto, Roberto Mangabeira Unger passou a maior parte da vida nos Estados Unidos, o que o forte sotaque não deixava desmentir. Não possuía qualquer base social, nem traria consigo qualquer força orgânica da sociedade.

Quanto a seu partido, o minúsculo PRB (Partido Republicano Brasileiro) tinha menos de 8 mil filiados quando Roberto Mangabeira Unger se tornou ministro e era um dos menores partidos políticos do País. Não agregava praticamente nada à base aliada de Lula. Por apoio político-partidário não faria sentido nomear Roberto Mangabeira Unger. Afinal, o PRB, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, possuía apenas três deputados federais, um senador e o vice-presidente da República, José Alencar (MG), que saíra do PL (Partido Liberal) em decorrência do escândalo do mensalão e foi o grande incentivador da nomeação do filósofo.

Em outro trecho do famoso artigo, Roberto Mangabeira Unger afirmou que "Lula fraudou a vontade dos brasileiros", ameaçava a democracia "com o veneno do cinismo" e tinha um projeto de governo que "impôs mediocridade". E mais: "Afirmo que o presidente, avesso ao trabalho e ao estudo, desatento aos negócios do Estado, fugidio de tudo o que lhe traga dificuldade ou dissabor e orgulhoso de sua própria ignorância, mostrou-se inapto para o cargo sagrado que o povo brasileiro lhe confiou".

Para fazer a vontade de seu vice José Alencar, um homem leal e doente, Lula só precisaria ter dito que gostaria muito de nomear alguém indicado por ele, mas não poderia ser o homem que o acusara de chefiar o governo mais corrupto da história.

Poderia ser qualquer um, menos aquele que conclamara o Congresso a derrubá-lo da Presidência da República, por corrupção. Por que Lula nomeou Roberto Mangabeira Unger, autor de acusação tão séria? Nas páginas deste livro, o leitor será convidado a encontrar a resposta.
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"O Chefe"
Autor: Ivo Patarra
Páginas: 460
Quanto: R$ 49,90
Onde comprar: pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

http://www1.folha.uol.com.br/folha/livrariadafolha/750738-ex-petista-escreve-livro-contra-partido-e-era-lula-leia-trecho-de-o-chefe.shtml

quarta-feira, 7 de julho de 2010

BRASIL, SIL, SIL!

‘A ideia do Brasil como futura potência ainda é especulação’, diz Krugman

Em entrevista exclusiva no Brasil para o 'E&N', economista critica o conceito dos Brics e questiona papel das economias emergentes na recuperação mundial
Nívea Terumi e João Caminoto, do Economia & Negócios  



SÃO PAULO - Um dos economistas mais respeitados do mundo, Paul Krugman, colunista do jornal The New York Times, comprou briga com os principais líderes europeus e colegas de profissão. Para o Prêmio Nobel de Economia de 2008, a recuperação da atividade mundial depende da concessão de mais estímulos pelos governos, num movimento contrário às diretrizes dos líderes da União Europeia e assunto ainda em discussão nos Estados Unidos. Expressões como "justiceiros invisíveis do mercado" e "fada da confiança" são algumas das que tem usado para atacar, de forma categórica, os defensores da austeridade fiscal abraçada por vários países europeus, como a Alemanha e o Reino Unido.

Para economista, medidas de austeridade fiscal na Europa são um erro


Em entrevista exclusiva no Brasil para o site Economia & Negócios, Krugman alertou para o que considera um excesso de otimismo com a emergência do Brasil no cenário mundial: "A ideia do Brasil como uma futura superpotência econômica ainda é muito baseada na especulação sobre suas conquistas. Espero que um dia seja verdade, mas ainda não vejo isso acontecendo." Para ele, a teoria dos Brics - Brasil, Rússia, India e China - é um "conceito pobre" pois é errôneo colocar dentro de um mesmo grupo economias com realidades tão distintas.
O colunista - cujo blog no Times é publicado com exclusividade no Brasil pelo E&N - também questionou o papel creditado aos países emergentes na recuperação global. Krugman vê com pessimismo as chances de a China tomar a liderança do crescimento mundial, assim como não enxerga uma saída para todos os países do euro. "Não vejo a Europa entrando em colapso, vejo mais uma chance de ela perder alguns países periféricos, com saídas plausíveis, como da Grécia."
A seguir, os principais trechos da entrevista.
O senhor acredita que existe um otimismo exagerado com a economia brasileira e outros países emergentes? O conceito dos Brics ainda é válido?
Sempre considerei o conceito dos Brics muito pobre, porque são economias muito díspares. Índia e China talvez possam pertencer a um mesmo grupo, por serem ainda economias com mão de obra muito barata; Rússia é um exportador de petróleo e o Brasil é um país de renda média baixa muito diferente dos outros. O Brasil é uma boa história, que na última década teve um desempenho melhor do que o esperado, conseguiu evitar uma crise severa, promoveu uma série de melhoras no poder de compra da base de sua população diante uma história de disparidade nas rendas, mas não é ainda uma história notável de crescimento. A ideia do Brasil como uma superpotência econômica futura é ainda muito baseada em especulação com suas conquistas recentes. Espero que um dia seja verdade, mas ainda não vejo isso acontecendo. Não vejo indicação hoje no crescimento do Brasil de que ele possa emergir como uma potência da mesma forma que a China.
Qual o papel da China na recuperação do crescimento econômico mundial?
A China é muito problemática, mesmo deixando de lado a questão da moeda, que tem impedido que sua demanda interna ajude o restante do mundo. Mesmo agora, ela não é uma economia tão grande, imaginamos que ela seja pela enorme quantidade de pessoas, mas do ponto de vista da taxa de câmbio - que é o que importa - ela ainda é do tamanho do Japão. Uma maneira que poderia fazer as economias emergentes liderarem a recuperação mundial seria se elas se preparassem para uma entrada massiva de capitais, com elevados déficits nas suas contas correntes. Mas esse não é um cenário real, uma vez que os governos desses países não permitirão que isso aconteça. Olho para o final do século 19, quando os pesados estímulos daquela época permitiram o surgimento de novas tecnologias e aceleraram a demanda. O problema é que o IPad não é grande o suficiente. É difícil prever como esse período de fraca demanda mundial chegará ao fim, e pode haver um longo caminho antes que isso aconteça.
É correta a percepção de que a atual crise nos países da União Europeia seja mais uma crise do euro do que uma crise de dívida soberana?
O euro tem sérios problemas, não é apenas uma crise de dívida. Casos como o da Espanha, que vinha tendo bons resultados nos últimos anos e agora está nessa situação, e mesmo a Grécia, que deve passar por uma fase de forte deflação após muitos anos de entrada massiva de capitais são situações muito difíceis de imaginar uma solução. Está-se diante de uma moeda única numa área que de certa forma nunca estabeleceu critérios para ter uma moeda única.
Como a Europa deve lidar com a sua crise de dívida soberana, como evitar que o euro entre em colapso?
É difícil ver uma saída para a Grécia sem uma reestruturação, e a questão principal para ela não é como irá reestruturar sua dívida, mas como ela vai resolver a questão do euro. Para o restante dos países, políticas não sincronizadas ajudariam muito; o programa de austeridade espanhol tem mais probabilidade de dar certo se toda a Alemanha não estiver também sob um programa de austeridade. Não vejo o euro entrando em colapso, vejo mais uma chance de a zona do euro perder alguns países periféricos, com saídas plausíveis como da Grécia. Ficaria muito surpreso se as economias centrais do euro não permanecessem com a moeda única.
O que poderia ser feito para que o euro seja uma moeda mais viável?
Uma política de meta de inflação mais frouxa, por exemplo, poderia ajudar. Se a zona do euro estabelecesse uma meta de 3% ou 4% seria bem mais fácil de se fazer ajustes nos países problemáticos do que com uma meta de 1% ou 2%, como é agora.
A crise Grega está sendo comparada à crise Argentina em 2001. Isso significa que a Grécia deva deixar o euro? E em relação a outros países em situação semelhante?
Há diversas semelhanças da Grécia com a Argentina. Eu diria que a Argentina se comportou de forma mais responsável, com um déficit substancialmente menor do que tem a Grécia. Mas em ambos os países você tem uma economia que recebeu volumes intensos de entrada de capital ao longo de vários anos e, quando esse capital secou, viu-se com uma grande quantidade de obrigações em sua moeda. No caso da Argentina, ela estabeleceu uma paridade com o dólar e um novo sistema de câmbio. O aconteceu foi que a primeira ação foi enfrentar uma crise bancária, que forçou o governo a fechar os bancos. Não estou dizendo que a Grécia deva abandonar o euro, mas, se houver uma crise bancária, o governo será obrigado a decretar um feriado bancário e a questão que fica é por que se manter no euro. Os argumentos são muito fortes sobre como isso acaba.
Qual a sua opinião sobre o acordo feito pelos líderes do G-20 para diminuírem seus déficits? Seria uma espécie de derrota à economia keynesiana?
Sim. A promessa de reduzir os déficits não foi nada além do que já se planejava. No caso dos Estados Unidos, a meta não é diferente da que já era prevista diante de uma recuperação da economia. Não há dúvidas de que o tom geral desse acordo foi "ok, está na hora da austeridade", e isso é uma coisa muito chocante de se ver, diante de uma recuperação econômica mundial ainda muito distante. Todos sabem que sou furiosamente contra isso, principalmente porque essa virada para a ortodoxia na política econômica mundial ocorreu sem nenhuma evidência clara de que era necessária.
Qual a disposição dos Estados Unidos de realizar acordos de livre-comércio?
Atualmente, não há muita discussão sobre acordos comerciais. Dada a situação política do país, com o presidente Obama tendo de lutar até mesmo por questões triviais e óbvias que devem ser feitas, não há como desperdiçar capital político com acordos comerciais, como a Rodada Doha. Se eu fosse ele, faria o mesmo. Esse é um assunto que não está no topo da agenda da atual gestão ou mesmo da próxima.
Há algum substituto para o dólar como principal moeda de reserva?
Uma moeda de reserva de valor não é algo que possa ser estabelecido por uma decisão política. Os países não guardam dólares ou euros porque alguém tenha ordenado; eles o fazem porque essas moedas são aparentemente mais seguras e altamente líquidas e esse é o problema principal do SDR (moeda composta por uma cesta de moedas do Fundo Monetário Internacional). O que poderia substituir o dólar teria de ser algo comprovadamente melhor desse ponto de vista. A única alternativa possível seria o euro, e há dois ou três anos eu imaginava que ele alcançaria uma parcela maior das reservas mundiais em relação ao dólar, mas acho que o euro deu um grande passo atrás, com todos os problemas atuais.
Há a possibilidade de um duplo mergulho na economia mundial com as medidas de austeridade tomadas na Europa?
Acredito que seja ainda uma possibilidade, mas não a mais provável. Você não vê um PIB em queda. Acho que um problema maior é que fizemos um progresso muito frágil na diminuição do desemprego nos Estados Unidos. Então um mergulho duplo propriamente dito, acredito que não; recuperação do desemprego, provavelmente sim, e é isso que me preocupa.