terça-feira, 29 de janeiro de 2008

AOS COMPANHEIROS PETISTAS


É preciso civilizar os bárbaros do PT

Reinaldo Azevedo

"Faz 26 anos que os democratas se ocupam de atrair o PT para a civilização. Os tupinambás e os caetés, no entanto, resistem e tentam impor o canibalismo como algo doce e decoroso. Mas continuamos aqui, firmes no nosso papel de jesuítas, crentes na nossa missão civilizadora, esforçando-nos para catequizá-los, fingindo que são tupis amistosos"

Faz 26 anos que os democratas se ocupam de atrair o PT para a civilização. Os tupinambás e os caetés, no entanto, resistem e tentam impor o canibalismo como algo doce e decoroso. Antes, tingiam a cara para a guerra e nos propunham o dilema: "Socialismo ou barbárie". Com o tempo, eles mesmos fizeram a opção sem nem nos dar a chance de escolher: barbárie! Institucional, quando menos. Mas continuamos aqui, firmes no nosso papel de jesuítas, crentes na nossa missão civilizadora, esforçando-nos para catequizá-los, fingindo que são tupis amistosos – tentando, enfim, emprestar-lhes alguma metafísica. Mas quê... Tenho cá as minhas dúvidas se os aborígines não estão vencendo. Em vez de o primitivismo ser domado, o que vejo é muita gente a flertar com Guaixará, Aimbirê e Saravaia, invertendo o fluxo histórico da civilização.

Os três acima eram os demônios da peça Auto de São Lourenço, do padre Anchieta (1534-1597), representada para os índios e para os primeiros colonos. Lembro-me de um livro que ganhei quando criança. Havia uma ilustração do jesuíta fazendo um poema na areia com um galho ou cajado. A catequese é mais do que um confronto de culturas. É um choque entre tempos. Trata-se do encontro de homens que estão em estágios diversos de domínio da natureza. Um trazia a escrita, a abstração, a realidade como conceito; outros viviam imersos no gozo, no terror e na ignorância. Antropólogos vão protestar. Para eles, pouco importa por que cai a maçã. Qualquer explicação "cultural" vale a pena. Continuo a achar libertadora a lei da gravidade...

Anchieta era um grande educador. Deixaria arrepiados os seguidores do "pedago-demagogo" Paulo Freire. O padre também usava o universo do "educando" (meu micro quase trava diante da palavra...) para passar uma mensagem "libertadora". Empregando elementos da cultura dos indígenas, queria tirá-los de sua crença e lhes ensinar os valores cristãos. Por isso, ridicularizava o seu modo de vida, em vez de adulá-lo. Devemos muito a esse padre. Guaixará, por exemplo, recitava: "Boa medida é beber / cauim até vomitar. / Isto é jeito de gozar / a vida, e se recomenda / a quem queira aproveitar. / A moçada beberrona / trago bem conceituada. / Valente é quem se embriaga / e todo o cauim entorna, / e à luta então se consagra".

Como se vê, Anchieta fazia o contrário do que fazem as ONGs financiadas pelo petismo e por entidades estrangeiras que se encantam com os aborígines alheios. O que o padre associava ao mal e exibia como hábito a ser vencido seria, hoje em dia, exaltado como cultura de resistência. Reparem como a educação formal, do "centro", foi invadida pela chamada "cultura da periferia". Isso é verdade tanto dentro do Brasil como na relação do país com o mundo. Há mais antiamericanos na USP do que em Bagdá ou em Cabul. O Brasil não aceita ser humilhado pelos EUA e pelo FMI. Só pela Bolívia e por Evo Morales. A reeleição de Lula corresponde à vitória do recalque do oprimido.

Falando a catadores de papelão e a sem-teto na quinta, no Palácio do Planalto, Lula Aimbirê disse que nunca antes gente como aquela entrou em palácios. Como se vê, ele precisa de gente como aquela para fazer discursos como aquele... Mais de 400 anos depois, Saravaia dá um pé no traseiro de Anchieta e diz: "Nós vencemos".

Esta nossa catequese política, um tanto infrutífera, também vive, a exemplo da outra, um choque de tempos. A economia da informação do século XXI, os indivíduos conectados à rede e à diversidade, a vitória inequívoca do capitalismo, o triunfo das sociedades abertas, tudo isso tem de conviver com um partido que é herdeiro do Terror Jacobino do século XVIII, do marxismo do século XIX e da Revolução Russa de 1917.

O partido só entende o exercício do poder como golpe e eliminação do outro – ainda que este herdeiro daquelas vocações totalitárias faça a mímica da democracia. Quando se acredita que se converteram, são flagrados comprando um naco do Parlamento. Quando se supõe que estão assustados, tentam golpear as eleições com dossiês fajutos. Quando a gente acha que estão rezando o "creio-em-deus-pai" da democracia, estão se entupindo de cauim, mobilizando instrumentos do Estado a seu próprio serviço. Até vomitar.

O conteúdo que se queria utópico daquelas formulações dos séculos XVIII, XIX e XX ganhou uma nova feição, é verdade, e faz concessões aparentes ao estado de direito. Alguns tantos sustentam que, do totalitarismo jacobino-bolchevista, teria restado tão-somente a moldura, uma vez que não seria lícito duvidar da adesão dos tupinambás e caetés ideológicos à economia de mercado e à democracia. Quantas vezes é preciso que o diabo sapateie no altar para que se reconheça a sua real natureza?

Os "bons selvagens" perderam a batalha para uma teologia e uma tecnologia superiores. Já os maus selvagens decidiram partir para a guerra de valores. Lula e seus rapazes não aceitam mais ser "colonizados" pela democracia. Olham para o conjunto de leis do país e, a exemplo de Guaixará, recitam: "Vêm os tais padres agora / com regras fora de hora / pra que duvidem de mim. / Lei de Deus que não vigora".

O PT conseguiu eliminar a hierarquia de valores que regula a vida em sociedade, de modo a conduzi-la a um estado de permanente subversão. Vale atribuir ao adversário uma intenção que ele não tem, obviamente mentirosa, e, a exemplo do que afirmou Lula num debate, o outro "que desminta". Jaques Wagner, governador eleito da Bahia, um dos caciques petistas, sob o pretexto de defender o bom princípio de que ninguém é obrigado a se auto-incriminar no estado de direito, afirma que o acusado tem o "direito de mentir". Não, meu senhor! Mentir à polícia è a Justiça é um risco, não um direito. O petismo é mestre não propriamente em negar a verdade, mas em corrompê-la. É por isso que precisa tanto do concurso de um criminalista.

Ou o petismo passa a ser visto no curso de uma revolução cultural ou jamais será entendido – e vencido. E o canibalismo será regra. Numa campanha eleitoral sem propostas, sem valores, sem alternativas, sem diferenças de conteúdo, aborrecida a mais não poder, resta, sem dúvida, uma intenção, anunciada por Lula, que faz toda a diferença. No debate da Rede Record, deixou entrever a disposição de estudar o que eles chamam de "controle social dos meios de comunicação". Trata-se de um eufemismo e de uma perífrase para "censura". O PT vê em cada veículo – ou, vá lá, em boa parte deles – um bispo Sardinha dando sopa. Sabe que a imprensa livre é o Evangelho da democracia; que ela guarda seus segredos e seus fundamentos.

Estamos vivendo os nossos dias de Hans Staden (1525-1579), o aventureiro alemão que caiu presa dos tupinambás. Deu sorte: conseguiu sair vivo. No cativeiro, observou os costumes dos antropófagos e depois redigiu um relato de viagem que fez grande sucesso na Europa. Ajudou a espalhar a lenda de que, por estas plagas, comer gente era prática corriqueira – os tupis, coitados, gostavam mesmo era de uma capivara e de um macaco. Alguns acreditam de tal modo na superioridade de sua teologia e de seus hábitos alimentares que observam os seus raptores com interesse antropológico, mal disfarçando certa simpatia por aqueles que os ameaçam.

Estou fora dessa. Quero os tupinambás e os caetés ajoelhados. Sob o signo da Cruz da civilização. Os petistas devem acionar a tecla SAP para metáforas e metonímias neste último parágrafo.

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