sábado, 18 de agosto de 2007

EIS O COMUNISMO DA ALEMANHA ORIENTAL

Nova descoberta evoca horrores do Muro de Berlim

David Crossland DO DER SPIEGEL

Os ex-líderes da Alemanha Oriental sempre negaram ter mandado os soldados atirarem nas pessoas que tentassem fugir pelo Muro de Berlim, apesar de centenas terem morrido. Agora, a descoberta de uma ordem escrita para abrir fogo contra homens, mulheres e crianças fez voltarem as memórias da brutalidade do regime.

Sempre foi óbvio que os guardas de fronteira da Alemanha Oriental recebiam ordens para atirar nas pessoas que tentassem fugir para o Ocidente. Se não houvesse tal ordem, não teriam morrido cerca de 1.100 pessoas que fizeram tentativas desesperadas para encontrar a liberdade pelo Muro de Berlim ou nas minas espalhadas na fronteira de 1,4 km entre a Alemanha Oriental e a Ocidental. A maior parte das vítimas foi baleada - por exemplo, Peter Fechter, 18, que sangrou até a morte ao lado do Muro em agosto de 1962, depois que os guardas atiraram nas suas costas quando tentou escapar.

Após a queda do Muro de Berlim em 1989, entretanto, os ex-líderes da Alemanha Oriental e altos agentes do serviço secreto Stasi insistiram que não havia ordens de atirar para matar. A ausência de provas do contrário ajudou muitos a escapar da justiça ou a obter sentenças leves em uma série de julgamentos.

Agora, coincidindo com o 46º aniversário do início da construção do Muro de Berlim no dia 13 de agosto de 1961, foi encontrado um documento de sete páginas em um arquivo da Stasi que contém uma ordem explícita para atirar. O documento destinava-se a uma equipe especial de agentes da Stasi, com a tarefa de infiltrarem-se em unidades regulares de guardas de fronteira para impedir a deserção de colegas.

"É sua obrigação usar suas habilidades de combate de tal forma a superar a esperteza daquele que quiser cruzar a fronteira, desafiá-lo ou liquidá-lo e frustrar seu plano de cruzar a fronteira", diz a ordem datada de 1º de outubro de 1973. "Não hesitem em usar suas armas até quando a tentativa de cruzar a fronteira for feita por mulheres e crianças, que os traidores há muito exploram".

O documento foi encontrado em um arquivo em Magdeburg, a oeste de Berlim, no arquivo de um agente da Stasi chamado Manfred L., que o assinara confirmando que tinha lido e compreendido.

A descoberta chegou à primeira página dos jornais alemães nos últimos dias e gerou pedidos de novos julgamentos de ex-agentes da Alemanha Oriental, apesar de ter se descoberto que a ordem já havia sido encontrada e publicada em um livro de história em 1997.

Crimes contra a humanidade

Independentemente de ser nova ou não, historiadores dizem que a ordem serve para lembrar como o regime da Alemanha Oriental foi violento e quanto trabalho ainda precisa ser feito para esclarecer o funcionamento dos 40 anos de ditadura comunista na Alemanha.

"Para mim, isso é prova de que sempre houve uma ordem para atirar na fronteira", disse Günter Nooke, conselheiro de direitos humanos do governo alemão, ao canal de televisão ZDF. A República Democrática Alemã era governada por pessoas que emitiam ordens para atirar em mulheres e crianças, disse ele. "Hoje isso seria considerado crime contra a humanidade; é um caso para a Corte Criminal Internacional de Haia".

"Os membros do Partido Comunista e da Stasi, que negam essa ordem para atirar até hoje, fazem como qualquer criminoso podre faria", disse Nooke. "Enquanto nenhum documento era encontrado, tentavam criar a impressão de que não era bem assim.

Marianne Birthler, diretora do departamento que administra os arquivos da Stasi, disse: "Essa descoberta é importante porque, até hoje, as autoridades continuam negando que havia uma ordem para matar no Muro de Berlim, e não havíamos encontrado uma instrução tão explícita, clara e ilimitada como essa".

Ordens escritas instruindo guardas de fronteira a abrirem fogo como último recurso foram encontradas antes nos arquivos da Alemanha Oriental, mas essas ordens sempre acrescentavam que os guardas deveriam gritar advertências ou dar tiros de aviso antes. Não há referência a tais advertências na ordem de sete páginas agora descoberta. "Isso mostra que a história da Alemanha Oriental ainda tem que ser plenamente pesquisada", disse Andréas Schulze, porta-voz da Autoridade Birthler.

Novos julgamentos?

Não está claro se a descoberta levará à reabertura dos casos passados, ou se haverá investigação criminal para quem emitiu a ordem de outubro de 1973, e se esta provocou alguma morte de fato. Um total de 37 guardas de fronteira morreram tentando escapar pela fronteira entre 1961 e 1989, e acredita-se que o número seja maior.

O escritório do promotor público em Magdeburg, onde o arquivo foi descoberto, disse que iria verificar se a descoberta geraria uma investigação.

"Evidentemente que precisamos dessas descobertas de vez em quando, para ajudar as pessoas a se lembrarem", disse o historiador Hubertus Knabe, diretor do museu da prisão Stasi no distrito de Hohenschönhausen, em Berlim.

Enquanto isso, o último líder da Alemanha Oriental, Egon Krenz, que cumpriu pouco mais de três anos de uma pena de seis pela morte de cidadãos que tentaram escapar pelo muro, novamente negou que havia ordens para atirar. "Não havia ordens para matar ou atirar, como vocês chamam", disse Krenz ao jornal Bild. "Sei disso, não dos arquivos mas de experiência própria. Tal ordem teria ido contra a lei da RDA.

"As memórias dos velhos tempos ruins estão desvanecendo"

Paradoxalmente, tal cinismo abjeto, expressado na segunda página do jornal mais vendido da Alemanha, deveria ser bem-vinda.

Evidências do regime que matou desertores, prendeu dissidentes e contratou centenas de milhares de espiões "informais" para investigar seus vizinhos e colegas estão desaparecendo rapidamente.

A maior parte dos turistas procura em vão pelo Muro, pois somente alguns trechos pequenos e desmoronando ainda existem. A barreira de 160 km que cercou Berlim Ocidental por 28 anos tornou-se uma ciclovia; belas casas brotaram na antiga "faixa da morte" na frente do Muro, uma terra sem dono designada para dar aos soldados uma linha de tiro para os desertores.

Filmes como "Adeus, Lênin" e "Alameda do Sol" ofereceram uma visão cor de rosa do que era a vida na Alemanha Oriental. Além disso, o alto desemprego desde a unificação levou muitos a olharem saudosamente para o passado, para uma era em que todos tinham emprego. Um novo hotel em Berlim oferece aos visitantes uma experiência da Alemanha Oriental, com mobília e papel higiênico autênticos da RDA, e está se provando popular.

Werner Schulze, ex-ativista de direitos civis da RDA, diz que há uma sensação de que "as coisas não eram tão ruins", e o Partido de Esquerda, que emergiu do antigo partido comunista, vem explorando essa sensação. "É cedo demais para determinar o que aconteceu", disse ao Hannover Neue Presse.

"Na Itália, ainda estão punindo as pessoas responsáveis pelas execuções no final da Segunda Guerra", disse Schulze. "E os tiros contra os que tentavam cruzar o Muro não passaram de execução".

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