sábado, 4 de agosto de 2007

LULO-PELEGUISMO

O reencontro tardio de Lula com Getúlio

RICARDO ANTUNES

No plano sindical, o lulismo se reencontrou com Getúlio. Vamos ver quais centrais vão recusar mais esse canto de sereia do neopeleguismo

LULA AFLOROU no sindicalismo como criação da estrutura sindical getulista. Tornou-se dirigente dos metalúrgicos por contingência. Em pouco tempo se converteu em seu antípoda: liderou greves, confrontou o sindicalismo oficial, deixou aturdido o peleguismo, ajudando a virar uma página do velho sindicalismo.

Mas a história dá muitas voltas: no poder, não foram poucas as desconstruções de Lula. Em seu primeiro mandato, taxou os aposentados e privatizou a Previdência pública. Abriu os fundos de pensão para a volúpia da cúpula sindical ávida por mais recursos. Ameaçou desmontar a legislação trabalhista, medida que só foi evitada pela derrama causada pelo mensalão.

Mas voltou com fôlego em seu segundo mandato. Seu governo prepara dois projetos que selam seu reencontro com o velho getulismo sindical. O primeiro, resultado de negociações em curso com as centrais sindicais, amplia o nefasto imposto sindical: cada uma delas vai abocanhar 10% do velho "imposto" que todos os trabalhadores são obrigados a pagar, quer concordem ou não.
Do total dos recursos arrecadados, ficam 60% para os sindicatos, 15% para as federações, 5% para as confederações, 10% para a "conta especial emprego e salário" do governo, além de 10% para as centrais sindicais, conferindo nova vida ao mostrengo criado por Getúlio Vargas no auge do Estado Novo.

Alguns cálculos falam em mais de R$ 120 milhões, volume capaz de aumentar em muitas vezes o orçamento das centrais legalizadas pela mesma medida. Enfeixa-se, então, o processo de cooptação e estatização dos sindicatos: a busca da aparente "independência" financeira custará a perda cabal da autonomia sindical.

Sela-se o caminho da "servidão sindical voluntária", iniciada por Getúlio e concluída pelo Inácio. Se isso não bastasse, o governo Lula está preparando outra medida que restringe duramente o direito de greve dos funcionários públicos.
O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, já fez várias referências ao perfil da proposta que está sendo urdida nos gabinetes ministeriais. Para que se tenha uma idéia do tamanho da investida, vale recordar que a Câmara dos Deputados já preparou um substitutivo ao projeto de lei nº 4.497, que trata da temática.

Ele determina que, uma vez aprovada a greve, os sindicatos ou comissões de negociação deverão comunicá-la com antecedência mínima de 72 horas, além de garantir a presença de pelo menos 45% dos servidores no trabalho. Ocorrendo "abuso", o sindicato ficará sujeito a multa de até R$ 30 mil por dia de paralisação.
E mais: quando não houver entidade sindical representativa dos servidores públicos, a assembléia geral deverá contar com a presença de pelo menos 50% dos integrantes da categoria. O absurdo aqui é ilimitado: nos áureos tempos das majestosas assembléias dos metalúrgicos do ABC, no estádio de Vila Euclides, presenciávamos até 60 mil participantes.

Se esse projeto de hoje fosse vigente àquela época, tais assembléias teriam que reunir mais de 120 mil participantes para serem consideradas legais. Ainda que se trate de exemplo do ramo privado, a similitude é suficiente para mostrar o despropósito.

Há aqui alguma ressonância da famosa lei antigreve de Margaret Thatcher, a "dama de ferro" do longo inverno do sindicalismo inglês. Se na economia o lulismo foi antigetulista, convivendo bem com a pragmática financista dominante, no plano sindical, se reencontrou com Getúlio Vargas.
Aliás, tudo no lulismo parece exacerbado: a regressão da economia, a degradação do setor público, com a recente proposta de "celetização" e conseqüente precarização dos trabalhadores dos hospitais públicos.

Ou ainda a soberba do líder, que quer "magnetizar" as massas mais vilipendiadas e que não conseguiu entender as trepidantes vaias que recebeu no Rio de Janeiro, na abertura do Pan, quando imaginou poder usar o palanque esportivo para viver mais um momento de regozijo. Acabou recebendo o vilipêndio e ficou no prejuízo.
E as vaias continuam ressoando mesmo em seus giros pelo Nordeste, dada sua fuga do Sul e Sudeste. Vamos ver, então, quais centrais vão publicamente recusar mais esse canto de sereia do neopeleguismo lulista?

RICARDO LUIZ COLTRO ANTUNES, 54, é professor titular de sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e autor, entre outros livros, de "O Que É o Sindicalismo" (Brasiliense) e "O Novo Sindicalismo no Brasil" (Pontes).

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