quinta-feira, 19 de março de 2009

MPs: COM A PALAVRA O DIAP


A falsa polêmica das medidas provisórias

Ter, 30 de Maio de 2000 21:00
Antônio Augusto de Queiroz


A Proposta de Emenda Constitucional que disciplina a edição de medida provisória com força de lei, depois de sofrer profundas modificações de interesse do governo, poderá ser votada pela Câmara dos Deputados antes do recesso de julho. A eventual aprovação na Câmara, em dois turnos de votação, com três quintos de votos favoráveis, não conclui o ciclo de apreciação da matéria. O projeto foi recebido na Câmara como novidade, e deverá retornar ao Senado - onde será submetido também a dois turnos de votação - antes de ser promulgado.

O texto sempre foi cercado de polêmicas e sua tramitação no Congresso já dura cinco anos, além de haver recebido várias versões. Na Câmara, a primeira foi de autoria do ex-deputado Aloysio Nunes Ferreira, atual coordenador político do governo e ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República. No Senado, a redação foi do senador José Fogaça (PMDB/RS), um dos expoentes governistas. A terceira versão é de autoria de outro governista de carteirinha, o deputado Roberto Brant (PFL/MG).

Para cada versão que saía, mesmo negociada com o Palácio, o governo acionava a imprensa para dizer que os termos propostos para a regulamentação iriam provocar a ingovernabilidade do País. Com isso, a cada nova rodada de votação, as restrições iam sendo eliminadas a fim de chegarem ao texto ideal, de acordo com os interesses governamentais.

A redação aprovada no Senado, apesar de mais branda que a primeira da Câmara, foi a que gerou mais discussão, principalmente depois que a oposição pressionou o presidente do Congresso, senador Antônio Carlos Magalhães(PFL/BA), a promulgar parcialmente as partes comuns aprovadas pelas duas Casas Parlamentares. O senador, então, ameaçou promulgar parcialmente a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que regulamenta a edição de MPs. Ele o fez porque percebeu o espaço que teria na mídia, caso apoiasse o pleito da oposição. Além disso, a atitude serviu para "dar o troco" ao bloco formado pelo PSDB/PTB, que retirou de seu partido a condição de maior da Câmara. O governo fingiu que temia as ameaças de ACM. Reagiu exigindo mudanças no texto a fim de ampliar sua competência em legislar por medida provisória sobre tributos e matérias administrativas. Mas o objetivo principal é recuperar o poder de baixar as medidas em dispositivos da Constituição que tivessem sido alterados por Emendas.

Para mediar o "impasse" entre os chefes de poderes, o PFL indicou o deputado Roberto Brant (PFL/MG), com o apoio e incentivo de ACM. Em um primeiro momento, o mineiro atuou como negociador e depois como relator na comissão especial da Câmara. Brant acatou todas as exigências do Poder Executivo, revelando claramente que se tratava de uma falsa polêmica ou de uma jogada combinada, em que a oposição fez papel de boba.

A polêmica, como se pôde constatar, foi criada por ACM e alimentada pela imprensa com dois objetivos básicos. O primeiro - que interessa ao presidente do Senado - fazia parte de uma grande jogada promocional, cuja conseqüência seria a projeção de um ACM corajoso e independente, que enfrentava o governo na defesa de um pleito da oposição. O segundo - de interesse do governo - destinava-se a criar as condições para que o presidente da República pudesse cobrar do Congresso mudanças no texto que o presidente do Senado ameaçava promulgar, em nome da governabilidade.

Como resumo da ópera, o texto que irá a votação no plenário da Câmara sobre medidas provisórias, de autoria de Roberto Brant, é tudo aquilo que o governo deseja. Afinal, ele apenas permitia, no campo das proibições, aquilo que o Supremo Tribunal Federal já vinha decidindo, não trazendo nenhuma dificuldade adicional para o governo, conforme segue:

a) amplia de 30 para 60 dias a vigência de MP, prorrogável uma vez por igual período;

b) possibilita a edição de MP sobre tributos, desde que se respeite o princípio da anterioridade e a instituição ou a majoração do imposto não seja reservada a lei complementar;

c) proíbe a edição de MP sobre matérias: I) reservadas à lei complementar, II) que tratem de nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidários e direito eleitoral; III) disponham sobre a organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; IV) legislem sobre planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais, V) relativas a pesquisa e lavra de recursos minerais, VI) digam respeito a ordenação de transporte aéreo, aquático e terrestre; e VII) que visem detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro;

d) estabelece o critério da alternância para o envio de MP ao Congresso, ora iniciando sua tramitação pela Câmara, ora pelo Senado;

e) atribui à medida provisória a mesma tramitação de projeto em regime de urgência constitucional, determinando o bloqueio da pauta se, no prazo de 45 dias, não houver deliberação na Casa do Congresso;

f) determina que as MPs rejeitadas ou que perderem eficácia terão as relações jurídicas e atos praticados durante sua vigência conservadas, exceto se uma norma jurídica anterior for aplicável ao caso ou se o Congresso editar decreto legislativo dispondo de outra forma;

g) congela as MPs editadas em data anterior à promulgação desta Emenda Constitucional, mantendo-as em vigor por prazo indeterminado, até que uma medida provisória posterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional, e, como compensação;

h) garante ao presidente da República dispor por decreto sobre a organização e funcionamento da administração, desde que não haja aumento de despesa, além de extinção de cargos e funções, matérias antes reservadas à lei; e,

i) revoga o artigo 246 da Constituição, aquele que proibia o uso de medida provisória em matéria modificada por Emenda Constitucional.

Como se vê, o novo texto não restringe mas amplia os poderes do presidente da República para a edição de medidas provisórias. Trata-se de um verdadeiro cheque em branco, sobretudo porque está sendo revogado o artigo 246 da Constituição, que proíbe o essa prática para regulamentar dispositivo da Carta Política modificada por Emenda Constitucional. Isso só poderá acontecer em situações que tenham a ver com ordem econômica, quebra dos monopólios, abertura do subsolo, mudança do conceito de empresa brasileira, reformas administrativa e previdenciária, bem como outras que venham a ser aprovadas.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e Diretor de Documentação do DIAP


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