domingo, 2 de setembro de 2007

MONGÓLIA: NEM TUDO ESTÁ PERDIDO... FORA DITADURA COMUNISTA DO INFERNO!


Depois do caos pós-comunista, a Mongólia saboreia um clima de otimismo

Bruno Philip Enviado especial a Norovdin

A aldeia de Norovdin está fincada no coração da estepe mongol, não longe da fronteira russa. A doutora Bayrsuren recebe suas visitas no jardim adjacente ao hospital, modesto, porém bem cuidado. Ela sonha em voz alta. Ela exibe seus cerca de quarenta anos com elegância, trajando um par de óculos bem no estilo dos anos 1950, e enumera as esperanças de uma médica do outro lado do mundo: "Em breve, a linha de alta-tensão chegará até aqui. Em breve, nós poderemos utilizar a Internet e não mais precisaremos do gerador de energia para usar os computadores".A senhora Bayrsuren está expressando algo que repercute os novos tempos que estão chegando: depois da saída caótica da era comunista, um ligeiro vento de otimismo assopra sobre a Mongólia.

Norovdin é uma aldeia de 2.400 habitantes na qual convivem em harmonia casas de madeira, iurtas (tendas circulares tradicionais) e alguns edifícios administrativos de cimento. Nela ainda se vive praticamente no clima do despojamento soviético, quando a defunta República Popular da Mongólia quase se tornara um apêndice da URSS (1924-1990): nada de eletricidade, nada de telefone, três médicos - mulheres - que tratavam prioritariamente os múltiplos casos de cirrose do fígado causados por uma das pragas mais destruidoras do país: o alcoolismo.

Aqui, bebe-se puro a vodka e o leite de égua fermentado que permitem compensar o tédio dos invernos rigorosos ou a persistência da pobreza e do desemprego, 17 anos depois da dolorosa transição do coletivismo para a economia de mercado. Contudo, uma grande maioria dos mongóis que nós encontramos nessas aldeias remotas ou em volta das "ger" - iurtas - típicas dos nômades, hoje mostra ter certa confiança. No plano político, a Mongólia transformou-se numa nação democrática. "A democracia é bem melhor", garante, por meio desta charmosa redundância, o prefeito adjunto de Norovdin, Shiriz Erdene.

Aos 46 anos, trajando um terno cinza e um boné branco, este antigo médico formado em Leningrado durante os anos 1980 é membro de um partido de oposição ao atual resquício do ex-Partido Comunista, que ainda está no poder: ele mostra com certo orgulho o "stûpa" (monumento) budista erigido em memória às vítimas da terrível repressão que, nos anos 1930, ceifou a vida de cerca de 30.000 pessoas, em sua maioria, opositores do regime e monges budistas.

Esta é a prova, segundo ele, de que os mongóis são capazes de não ocultar ou censurar os horrores do passado. "O meu avô foi uma dessas vítimas", diz, apontando para as inscrições gravadas no monumento.Há uma outra razão para que a população se sinta otimista em pleno coração da estepe, apesar de uma situação econômica que no mínimo pode ser chamada de frágil e de uma porcentagem elevada de pessoas que vivem abaixo do limite da pobreza (31% dos mongóis vivem com menos de R$ 135 por mês): embora o êxodo rural esteja perdurando, muitos dos nômades parecem não ter a menor intenção de abandonar as suas pastagens. Empoleirada sobre o seu cavalo, Otganjargal, uma mulher de cerca de 30 anos, trajando óculos escuros e um "del" (vestido tradicional) cintilante, considera a questão da mudança rumo à cidade incongruente: "É claro que eu não tenho a menor vontade de ir embora! Eu sou uma criadora nômade, e permanecerei na estepe!", diz esta mulher com certa rispidez antes de chicotear a sua montaria e desaparecer em velocidade, em meio a uma nuvem de poeira.

No mesmo dia, debaixo de um temporal e chicoteado pelo vento que dobra ao longe a grama dos pastos, o jovem Erdenbat, 19 anos, sonha com sucessos comerciais, com queijos vendidos na capital, isso se o crescimento do seu rebanho de bovinos permitir. Apenas a China, a vizinha ameaçadora que já se apoderou de uma parte do setor mineiro do país, é capaz de deixá-lo irado: "Tudo o que nós comemos e respiramos é chinês", zomba.

Mais ao oeste, chegamos a Ulan-Bator. Com mais de 1 milhão de habitantes, ou seja, cerca de um terço da população do país, esta cidade apresenta grandes espaços característicos da arquitetura soviética, com amplas avenidas, enquanto os morros nos seus arredores são invadidos pelas manchas brancas formadas pelas iurtas de antigos nômades em busca de um eldorado. Estes sim, deixaram as suas pastagens. Sobretudo, depois das grandes ondas de frio que provocaram a morte de 8 milhões de cabeças de gado durante os terríveis invernos do final dos anos 1990 e do começo dos anos 2000.

No seu escritório do ministério situado na imensa Praça Sukhbataar, do nome do pai fundador do comunismo mongol, o secretário de Estado das relações exteriores, Khasbazaryn Bekhbat, atende esta reportagem. Ele assegura, num francês perfeito, que se trata, daqui a oito anos, de "quintuplicar a atual renda per capita de U$ 1.000 por ano, para então duplicar este valor até 2021..." "Em três anos", comemora Bekhbat, "o PIB (produto interno bruto) aumentou 30%".

Mas o combate contra a pobreza está muito longe de ser ganho. Cada vez mais estão aumentando as discrepâncias entre aqueles que foram amplamente beneficiados por um sistema político marcado pela instabilidade parlamentar e a corrupção, e os outros, aqueles que sobrevivem em sórdidos conjuntos habitacionais da era soviética ou nos subúrbios de iurtas da periferia.

Os homens políticos que gravitam em volta dos centros do poder estão na corda-bamba. "A Assembléia Nacional aprovou finalmente uma lei anticorrupção que obriga cada político a mostrar transparência ao elaborar a declaração dos seus bens", comemora Sanjaasurengin Oyun, uma antiga vice-presidente do Parlamento, deputada da oposição pelo Partido da Coragem Cívica. Esta mulher de cerca de 40 anos que domina a língua inglesa encarna a minúscula elite política mongol, aquela para a qual as práticas político-mafiosas das quais são acusados os membros do Partido Popular Revolucionário Mongol (PPRM), do atual presidente Enkhabayar, são intoleráveis. Mas a senhora Oyun prefere amenizar um pouco as suas críticas: "O PPRM é o mais corrupto de todos os partidos porque é aquele que possui a mais longa experiência de poder", reconhece.
Ainda bem que existe o herói nacional, uma figura emblemática de uma nova Mongólia que carece de identidade, para colocar todo mundo de acordo: Gengis Khan, o grande conquistador que unificou as tribos mongóis há oitocentos anos, e era venerado até ser jogado nos calabouços do esquecimento pelos comunistas. Atualmente, o imperador está de volta, impondo a sua presença de modo obsessivo: fumam-se cigarros que levam o seu nome, bebe-se uma vodka cujo rótulo traz a sua representação, chega-se ao país pelo aeroporto Gengis Khan.

E a sua gigantesca estátua de metal cinza, na entrada de Oulan-Bator, domina a estepe. No final de um incongruente retorno da História, para um país que carece de reconhecimento internacional, o governo enviou 160 soldados para Bagdá, em 2003. E isso, 745 anos depois que esta cidade foi saqueada por Hülegü, o neto do grande Khan...

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