A culpa é do Lula
Não há a mínima surpresa no novo apagão aéreo de ontem, terça-feira, 19/6: os controladores estão fortes, organizados e com boa mídia, depois de insuflados pelo presidente da República. Podem parar o país quando bem entenderem.
Militares são proibidos de fazer greve e qualquer funcionário público é proibido de fazer greve em setores essenciais. Mas os sargentos controladores de vôo fizeram operação-padrão nos aeroportos no ano passado e Lula desautorizou o Comando da Aeronáutica, mandando os ministros da Defesa e do Trabalho negociarem sindicalmente uma questão de disciplina militar.
Já neste ano e sob novo Comando da Aeronáutica, a operação-padrão evoluiu para uma greve que parou o país de ponta a ponta, uma greve realmente histórica. E Lula, direto dos EUA, mandou abortar a ida do novo comandante para a Base Aérea de Brasília, onde daria voz de prisão aos líderes. Em vez disso, o ministro do Planejamento (aliás, uma das raras autoridades então disponíveis em Brasília) foi enviado para acatar as reivindicações.
No final, nem os líderes foram punidos, nem as reivindicações foram aceitas. O resultado é que os líderes continuaram liderando e os motivos (pelo menos alegados) continuaram motivando.
Pronto. Quebrada a hierarquia militar e estimulada a insubordinação, era só esperar para novas operações-padrão e novas greves. Os controladores não têm apenas os radares, têm também a faca, o queijo e a leniência do governo nas mãos.
Pronto. Quebrada a hierarquia militar e estimulada a insubordinação, era só esperar para novas operações-padrão e novas greves. Os controladores não têm apenas os radares, têm também a faca, o queijo e a leniência do governo nas mãos.
Enquanto isso, Lula continua sempre intocável e "incriticável", a ministra do Turismo recomenda que as vítimas "relaxem e gozem" e os radicais petistas enchem a internet dizendo bem-feito para essa elitezinha branca que anda de avião e que não apita mais nada no país.
Eu estava lá ontem em Congonhas, no meio do caos (inacreditável, mas é...), e tive algumas horas para observar quem é afinal essa elite branca, ou seja, quem são esses inimigos de Lula, do PT e do país. Eram homens e mulheres com roupa de trabalho, muitos carregando pastas executivas e laptops e quase todos tinham o ar cansado. Essa tal de elite parece estar trabalhando demais e passeando de menos.
A olho nu, observando a fila do check-in, a fila para o código do cartão de embarque, a fila da Polícia Federal e as imensas filas dos sanduíches, antes do embarque incerto, esses inimigos do país me pareceram bem inocentes. Eram funcionários e funcionárias, trabalhadores e trabalhadoras, executivos e executivas, profissionais liberais, atores e atrizes, músicos, estudantes, todos indo ou vindo para compromissos de trabalho, de reuniões a shows.
Antigamente, a esquerda falava na luta de classes, entre capital e trabalho. Na nova era, em que "tudo mudou", a luta é entre trabalho e trabalho, salário e salário, quem anda de avião e quem não anda.
Bem, mas Lula tem o Aerolula, o ministro da Defesa estava em Paris e a elite branca --ou seja, o inimigo-- está aguentando firme e forte o tranco, sem xingar, sem reclamar, sem ruídos.
Relaxem e gozem! E bem feito!
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha e assina a coluna "Brasília" aos domingos, terças, quintas e sextas. Formada pela UnB, foi diretora das sucursais de "O Globo", "Gazeta Mercantil" e da Folha em Brasília. Escreve para a Folha Online às quartas.
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