O irmão, o compadre e a batota
Todo político tem um séquito: é da natureza do ofício. O séquito, naturalmente, tem uma hierarquia. No topo, ficam os poucos e bons operadores da mais estrita confiança do prócer - a exemplo do falecido Sérgio Motta, no caso de Fernando Henrique, e de Gilberto Carvalho, no caso do presidente Lula. Eles não apenas são incumbidos de missões delicadas e sigilosas, como ainda funcionam como conselheiros do chefe. No sopé dessa estrutura estão os seus paus-para-toda-obra, tarefeiros que abrem portas, guardam costas, dirigem carros, carregam volumes, para o político e seus familiares.
Nada mais natural que, subindo o político na vida, membros dessa arraia-miúda de autodenominados “assessores” sejam procurados por espécimes do submundo da periferia do poder e a eles se associem no crime. São figurantes que o chefe pode ou não conhecer pessoalmente, mas há de saber quando se valem da sua conexão consigo, ainda que remota, para conseguir uma boquinha numa repartição - no mínimo.
Eis o material com que habitualmente se confeccionam as teias pegajosas como a que a Operação Xeque-Mate, da Polícia Federal (PF), acaba de romper, no combate à máfia dos caça-níqueis. A peculiaridade, agora, é a presença nesse circuito de um irmão e de um compadre do presidente da República. O primeiro, Genival Inácio da Silva, o Vavá, foi indiciado sob a acusação de tráfico de influência no Executivo e exploração de prestígio no Judiciário. O segundo, Dario Morelli Filho, apontado como sócio do batoteiro Nilton Cezar Servo, o 79º preso pela PF em seis Estados, é acusado de corrupção ativa e formação de quadrilha. Desta vez respeitando estritamente o sigilo de Justiça que recobre a operação, os federais não divulgaram os nomes das autoridades junto às quais teriam delinqüido. De outra parte, não há o mais tênue indício de que, a serem verdadeiras as ações de que são acusados o irmão e o compadre, Lula tivesse motivo para delas suspeitar, antes de ser informado pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, da operação em preparo.
A conduta do presidente, aliás, foi nada menos do que irretocável. Ao que se sabe, não moveu uma palha para impedir que se expedisse o mandado judicial de busca e apreensão na casa de Vavá. Ao ser entrevistado, em Nova Délhi, pelos jornalistas que o acompanham na viagem, tomou a iniciativa de revelar que é padrinho de um filho de Morelli. Foi elegante com o irmão - a quem repreendera de público, em 2005, quando se divulgou que tentava fazer lobby para empresas do ABC junto ao Planalto -, dizendo enfaticamente “não acreditar mesmo, de verdade”, que ele tenha parte com a gangue da tavolagem, que contrabandeava componentes eletrônicos para os caça-níqueis e, de quebra, traficava drogas. Mas, falando “como presidente”, emendou, “se a Polícia Federal tinha uma autorização judicial e o nome dele aparecia, paciência”. Do compadre, disse pouco: “Se foi preso, será investigado, interrogado e, depois, haverá um veredicto.” Morelli é o típico sequaz de político descrito no início deste texto.
Faz-tudo da família de Lula, escoltou o candidato presidencial em eleições anteriores (e José Dirceu, em 1994), fez bicos para o PT e o sindicato dos metalúrgicos, abriu uma firma de segurança e, apadrinhado do petismo, enveredou pelo setor público: conseguiu emprego numa empresa municipal em Mauá, numa secretaria da Assembléia Legislativa e, ultimamente, na área de saneamento da prefeitura de Diadema, da qual foi afastado anteontem. Aparentemente, envolveu-se com caça-níqueis ao cuidar da segurança de uma casa de bingos. Então teria conhecido o ex-deputado estadual paranaense Nilton Cezar Cervo, tido como o capo da quadrilha. Este é outro personagem do submundo da política: ao trabalhar nas campanhas de Zeca do PT, em Mato Grosso do Sul, acabou conhecendo Lula, de quem passou a se dizer amigo e comensal. Depois, teria pedido ao presidente que legalizasse os bingos. A PF registrou pelo menos um telefonema dele a Vavá. Em suma, ele, Morelli e o bingueiro estavam na mesma ciranda.
Deveria o presidente ter se informado dos negócios do irmão e do compadre? Seria o ideal. Mas essa saudável curiosidade é incomum entre os políticos brasileiros. Talvez porque saibam que quem procura acha.
Do Estadão:
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