Friedman: a nova Guerra Fria
Thomas L. Friedman
O próximo presidente norte-americano herdará vários desafios na área de política externa, mas certamente um dos maiores será a Guerra Fria. Sim, o próximo presidente será um presidente da Guerra Fria - mas esta Guerra Fria é com o Irã.
Esta é a verdadeira história que permeia atualmente o Oriente Médio - a disputa por influência na região, tendo ao lado os Estados Unidos e os seus aliados sunitas árabes (e Israel) e do outro o Irã, a Síria e os seus aliados não governamentais, o Hamas e o Hizbollah. Conforme dizia o editorial de 11 de maio do jornal iraniano "Kayhan": "Na luta por poder no Oriente Médio só existem dois lados: Irã e Estados Unidos".
Por hora, a Equipe América está perdendo em quase todas as frentes. Por quê? A resposta curta é que o Irã é inteligente e brutal, os Estados Unidos são estúpidos e fracos, e o mundo árabe sunita é indiferente e dividido. Alguma outra pergunta?
A indignidade da semana foi a tentativa de Irã, Síria e Hizbollah de assumir o controle sobre o Líbano. Os brutamontes do Hizbollah invadiram bairros sunitas na zona oeste de Beirute, concentrando-se especialmente em desmantelar canais progressistas de notícias como a TV Futuro, de forma que a máquina de propaganda do Hizbollah pudesse dominar o universo das transmissões de televisão. A milícia xiita Hizbollah surgiu supostamente para proteger o Líbano de Israel. Tendo feito isso, eles agora mudaram de rumo e venderam o Líbano à Síria e ao Irã.
Tudo isso faz parte daquilo que Ehud Yaari, um dos melhores analistas do Oriente Médio em Israel, chama de "Pax Iranica". Na sua coluna de 28 de abril último no jornal "The Jerusalem Report" Yaari chamou atenção para a rede de influência que o Irã construiu no Oriente Médio - da influência que o país exerce sobre o primeiro-ministro iraquiano, Nouri al-Maliki, à sua capacidade de manipular praticamente todas as milícias xiitas no Iraque, e à transformação do Hizbollah em uma força - com 40 mil foguetes - capaz de controlar o Líbano e ameaçar Israel caso este pense em atacar Teerã. E não se pode esquecer da capacidade do Irã de fortalecer o Hamas na Faixa de Gaza, e de bloquear qualquer acordo de paz israelense-palestino promovido pelos Estados Unidos.
"Sintetizando, Teerã criou uma situação na qual qualquer um que deseje atacar as suas instalações atômicas terá que levar em conta que isto gerará uma batalha cruenta nas frentes libanesa, palestina, iraquiana e do Golfo Pérsico. Esta é uma estratégia sofisticada de dissuasão", afirmou Yaari.
Já a Equipe Bush conseguiu em oito anos colocar os Estados Unidos em uma posição única no Oriente Médio: "O país não é apreciado, não é temido e não é respeitado", escreveu Aaron David Miller, um ex-negociador para o Oriente Médio em governos republicanos e democratas, no seu novo e provocante livro sobre o processo de paz, intitulado "The Much Too Promissed Land" (algo como, "A Terra Demasiadamente Prometida").
"Nós tropeçamos durante oito anos no governo de Bill Clinton, tentando descobrir como fazer a paz no Oriente Médio, e depois tropeçamos outros oito anos sob George Bush, procurando determinar de que maneira fazer a guerra na região", disse Miller. "O resultado foi uma América aprisionada em uma região que ela não pode consertar e nem abandonar".
Vejam os últimos meses, disse ele: o presidente Bush foi ao Oriente Médio em janeiro, a secretária de Estado, Condoleezza Rice, foi para lá novamente nesta semana. Afinal, o preço do petróleo está mais alto do que nunca, e as perspectivas de paz nunca estiveram mais remotas. Conforme diz Miller, atualmente os Estados Unidos são "incapazes de derrotar, cooptar ou conter" qualquer dos grandes protagonistas na região.
O grande debate entre Barack Obama e Hillary Clinton diz respeito a se devemos ou não conversar com o Irã. Obama é a favor; Hillary Clinton é contra. A questão para o próximo presidente não é falar ou não falar. O problema é saber se temos influência ou não.
Quando a pessoa tem influência, ela conversa. Quando não tem, consegue alguma - criando incentivos econômicos, diplomáticos ou militares e pressões; fatores que o outro lado ache muito tentadores ou assustadores para ignorá-los. É nisto que a equipe Bush tem se mostrado bastante incompetente em relação ao Irã.
A única parte mais fraca é o mundo árabe sunita, que ou está tão embriagado com o seu petróleo que acredita poder comprar qualquer saída para um desafio iraniano, ou tão dividido que não é capaz de erguer a mão para defender os seus interesses - isso quando não se encontra em ambas as situações.
Nós não iremos à guerra contra o Irã, e nem devemos. Mas é triste ver os Estados Unidos e os seus amigos árabes tão fracos que são incapazes de impedir que um dos últimos redutos de decência, pluralismo e abertura no mundo árabe seja destruído pelo Irã e pela Síria. A única coisa que me dá alento é saber que todos os que tentaram dominar sozinhos o Líbano - maronitas, palestinos, sírios, israelenses - geraram uma reação e fracassaram.
"O Líbano é uma região que ninguém pode controlar sem um consenso, sem fazer com que todos participem", diz o colunista libanês Michael Young. "O Líbano tem sido uma sepultura para pessoas com projetos grandiosos. No Oriente Médio os seus inimigos sempre parecem encontrar uma maneira de se reunir e subitamente tornar as coisas muito difíceis para você".
Tradução: UOL
Visite o site do The New York Times
Thomas L. Friedman
O próximo presidente norte-americano herdará vários desafios na área de política externa, mas certamente um dos maiores será a Guerra Fria. Sim, o próximo presidente será um presidente da Guerra Fria - mas esta Guerra Fria é com o Irã.
Esta é a verdadeira história que permeia atualmente o Oriente Médio - a disputa por influência na região, tendo ao lado os Estados Unidos e os seus aliados sunitas árabes (e Israel) e do outro o Irã, a Síria e os seus aliados não governamentais, o Hamas e o Hizbollah. Conforme dizia o editorial de 11 de maio do jornal iraniano "Kayhan": "Na luta por poder no Oriente Médio só existem dois lados: Irã e Estados Unidos".
Por hora, a Equipe América está perdendo em quase todas as frentes. Por quê? A resposta curta é que o Irã é inteligente e brutal, os Estados Unidos são estúpidos e fracos, e o mundo árabe sunita é indiferente e dividido. Alguma outra pergunta?
A indignidade da semana foi a tentativa de Irã, Síria e Hizbollah de assumir o controle sobre o Líbano. Os brutamontes do Hizbollah invadiram bairros sunitas na zona oeste de Beirute, concentrando-se especialmente em desmantelar canais progressistas de notícias como a TV Futuro, de forma que a máquina de propaganda do Hizbollah pudesse dominar o universo das transmissões de televisão. A milícia xiita Hizbollah surgiu supostamente para proteger o Líbano de Israel. Tendo feito isso, eles agora mudaram de rumo e venderam o Líbano à Síria e ao Irã.
Tudo isso faz parte daquilo que Ehud Yaari, um dos melhores analistas do Oriente Médio em Israel, chama de "Pax Iranica". Na sua coluna de 28 de abril último no jornal "The Jerusalem Report" Yaari chamou atenção para a rede de influência que o Irã construiu no Oriente Médio - da influência que o país exerce sobre o primeiro-ministro iraquiano, Nouri al-Maliki, à sua capacidade de manipular praticamente todas as milícias xiitas no Iraque, e à transformação do Hizbollah em uma força - com 40 mil foguetes - capaz de controlar o Líbano e ameaçar Israel caso este pense em atacar Teerã. E não se pode esquecer da capacidade do Irã de fortalecer o Hamas na Faixa de Gaza, e de bloquear qualquer acordo de paz israelense-palestino promovido pelos Estados Unidos.
"Sintetizando, Teerã criou uma situação na qual qualquer um que deseje atacar as suas instalações atômicas terá que levar em conta que isto gerará uma batalha cruenta nas frentes libanesa, palestina, iraquiana e do Golfo Pérsico. Esta é uma estratégia sofisticada de dissuasão", afirmou Yaari.
Já a Equipe Bush conseguiu em oito anos colocar os Estados Unidos em uma posição única no Oriente Médio: "O país não é apreciado, não é temido e não é respeitado", escreveu Aaron David Miller, um ex-negociador para o Oriente Médio em governos republicanos e democratas, no seu novo e provocante livro sobre o processo de paz, intitulado "The Much Too Promissed Land" (algo como, "A Terra Demasiadamente Prometida").
"Nós tropeçamos durante oito anos no governo de Bill Clinton, tentando descobrir como fazer a paz no Oriente Médio, e depois tropeçamos outros oito anos sob George Bush, procurando determinar de que maneira fazer a guerra na região", disse Miller. "O resultado foi uma América aprisionada em uma região que ela não pode consertar e nem abandonar".
Vejam os últimos meses, disse ele: o presidente Bush foi ao Oriente Médio em janeiro, a secretária de Estado, Condoleezza Rice, foi para lá novamente nesta semana. Afinal, o preço do petróleo está mais alto do que nunca, e as perspectivas de paz nunca estiveram mais remotas. Conforme diz Miller, atualmente os Estados Unidos são "incapazes de derrotar, cooptar ou conter" qualquer dos grandes protagonistas na região.
O grande debate entre Barack Obama e Hillary Clinton diz respeito a se devemos ou não conversar com o Irã. Obama é a favor; Hillary Clinton é contra. A questão para o próximo presidente não é falar ou não falar. O problema é saber se temos influência ou não.
Quando a pessoa tem influência, ela conversa. Quando não tem, consegue alguma - criando incentivos econômicos, diplomáticos ou militares e pressões; fatores que o outro lado ache muito tentadores ou assustadores para ignorá-los. É nisto que a equipe Bush tem se mostrado bastante incompetente em relação ao Irã.
A única parte mais fraca é o mundo árabe sunita, que ou está tão embriagado com o seu petróleo que acredita poder comprar qualquer saída para um desafio iraniano, ou tão dividido que não é capaz de erguer a mão para defender os seus interesses - isso quando não se encontra em ambas as situações.
Nós não iremos à guerra contra o Irã, e nem devemos. Mas é triste ver os Estados Unidos e os seus amigos árabes tão fracos que são incapazes de impedir que um dos últimos redutos de decência, pluralismo e abertura no mundo árabe seja destruído pelo Irã e pela Síria. A única coisa que me dá alento é saber que todos os que tentaram dominar sozinhos o Líbano - maronitas, palestinos, sírios, israelenses - geraram uma reação e fracassaram.
"O Líbano é uma região que ninguém pode controlar sem um consenso, sem fazer com que todos participem", diz o colunista libanês Michael Young. "O Líbano tem sido uma sepultura para pessoas com projetos grandiosos. No Oriente Médio os seus inimigos sempre parecem encontrar uma maneira de se reunir e subitamente tornar as coisas muito difíceis para você".
Tradução: UOL
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