quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Paulo Francis: "Lula vai nos transformar num grande Zaire, numa grande bosta"

Foi por intermédio de meu saudoso e amado pai Wilson que conheci Paulo Francis. Via meu pai lendo sua coluna semanal e se divertindo com suas porradas literárias no PT, em Lula - até então motivo de piada nacional - e demais esquerdistas anacrônicos.

Sua precisão em comentar fatos políticos, sua acidez, seu conhecimento e, principalmente, sua descrição de quem esteve presente em alguns fatos políticos nacionais e internacionais eram sensacionais. Conhecia a história como ninguém.
Francis era como o Corinthians. Amado ou odiado. Sem meio-termo. Se fosse vivo, faria Diogo Mainardi parecer um moderado, um simpatizante de Lula-lá e de seus companheiros mensaleiros.

Paulo Francis nos deixou há dez anos. E ninguém, ninguém mesmo, conseguiu, nem de longe, tomar seu lugar no panteão do jornalismo com jota maiúsculo.
Lembro que um dia fui jantar em Bauru no restaurante Lalai. Em uma das paredes havia uma pintura e uma frase de Francis. Então descobri que à época em que ainda existia a Confeitaria da Lalai, Francis esteve no local.
Valeu Francis! Que Deus o tenha em bom lugar! Waaal, à direita do céu, é óbvio...
Dia 4 fez dez anos que Francis deixou o mundo jornalístico órfão de um intelectual de verdade. Procurei escrever um texto para homenagea-lo mas achei esse aqui no blog do Paulo Briguet, colega jornalista em Londrina (Paulo estudava jornalismo na UEL à época em que eu estudava Relações Públicas).
Briguet, valeu meu querido! (briguet.tipos.com.br).
Francis o general indivíduo

(Texto dedicado ao meu amigo Rodrigo Manzano.)
A última guerra não será entre países, religiões ou blocos econômicos. A última guerra será do indivíduo contra a coletividade; do homem contra o Estado; do sujeito contra a ideologia.
O coletivismo tem várias estratégias para cooptar o indivíduo. Uma dessas armadilhas – prevista no “1984”, de George Orwell – é a manipulação da linguagem. O sentido das palavras individualismo e cidadania, em nossos tempos, é um sintoma do processo orwelliano de mutação verbal. Chamar alguém de “individualista” é considerado ofensa pela maioria. Dizer que fulano mostrou-se “cidadão”, pelo contrário, é visto como elogio.
Na verdade, tudo está invertido. No mais das vezes, individualista é tão-somente a pessoa que faz valerem seus direitos de expressão: pensa o que diz e diz o que pensa. “Cidadão”, pelo contrário, é quase sempre o indivíduo que se dissolveu na massa ignara, aderindo às facilidades do consenso, às delícias da unanimidade, ao cômodo sentimento de fazer parte do rebanho.
Coletivismo e Estado, embora estejam visceralmente ligados, não são a mesma coisa. Por vezes, o coletivismo se apresenta como um antagonista do Estado, quando na verdade apenas prepara o bote para conquistá-lo. É o caso do PT, no Brasil.
Há também as chamadas organizações não-governamentais e os conselhos corporativos (tais como OAB, CRM, Crea e outros). Com relação às ONGs, elas carregam a contradição na carne do próprio nome. Por que esse “não” taxativo? Para esconder a verdade amarga: 9 entre 10 entidades dessa natureza buscam apenas uma forma de parasitar o governo ao qual alegam não pertencer. Quanto às entidades corporativas, são pequenos mecanismos para-estatais de defesa de privilégios e barganhas de poder. Minha profissão não está livre disso. Diretores da Fenaj querem porque querem criar o tal Conselho Federal de Jornalismo – um soviete destinado ao controle das informações indesejáveis pelo coletivismo.
Dentro desse panorama nefasto, é natural que o jornalista Paulo Francis, morto há exatamente dez anos, tenha sido uma figura criticada, perseguida e, não raro, achincalhada pelos próceres coletivistas. Dono de uma cultura vasta e eclética, Francis dizia o que pensava sem se preocupar com os compadrismos ou delicadezas.
Era odiado por acadêmicos medíocres porque conciliava clareza e profundidade – os obscuros e rasos eram suas principais vítimas. Era perseguido por políticos porque não aceitava as conveniências toscas do poder. Era o inimigo número um do pensamento entre aspas, do idem ibidem, do beletrismo e da mamata com dinheiro público. A ele se deve o mérito de, já na década de 80, apontar o vazio mental dos falsos moralistas que hoje ocupam o poder. Seus textos sobre Lula, já em 1989, tinham a limpidez de uma profecia. “Só os profetas enxergam o óbvio”, dizia Nelson Rodrigues. Por trás das lentes fundo-de-garrafa, Paulo Francis antevia o Brasil do mensalão. “Lula vai nos transformar num grande Zaire, numa grande bosta.”
Paulo Francis era o indivíduo por excelência. Por isso foi acossado pela Petrobrás (ou Petrossauro, como ele e Roberto Campos gostavam de dizer). Em 1996, ao defender que a Petrobrás devia ser privatizada, Francis entregou-se aos arroubos típicos de sua personalidade e chegou a dizer que os diretores da estatal mantinham contas secretas na Suíça. Em vez de processá-lo no Brasil ou pedir direito de resposta, os capos da empresa resolveram processá-lo nos Estados Unidos e exigir uma indenização de US$ 100 milhões – dinheiro que ele não conseguiria ganhar nem se tivesse as sete vidas de seu gato Bundinha. Francis praticamente chegou a pedir desculpas pelas declarações mais incisivas, mas os capos da Petrobras não queriam retratação: queriam calá-lo. É assim que agem os coletivistas. Tal como Stálin, não buscam resposta para argumentos – buscam a picareta para rachar a cabeça dos opositores.
Após uma intervenção de José Serra e Fernando Henrique Cardoso, o processo contra Francis afinal foi extinto. Mas deixou seqüelas no indivíduo que os amigos sabiam ser vulnerável. O jornalista sentiu-se mal em 4 de fevereiro de 1997. Achava que era uma simples bursite; era um infarto. Morreu aos 66 anos, no auge da atividade jornalística e literária.
Quando Francis morreu, eu era um esquerdista convicto, mas ainda assim o considerava como um modelo intelectual. Mudei. “Só os idiotas não mudam”, dizia Francis, o que não me livra de ser idiota, mas oferece alguma esperança.

Ao saber da morte de Francis, uma amiga me ligou para dar os pêsames. Até hoje eu sinto saudades dele. Nunca o vi pessoalmente, mas jamais me acostumarei com a sua falta nas páginas dos jornais. Ele seria um general importante na última guerra.

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