quarta-feira, 2 de abril de 2008

1968 NÃO ACABOU...


1968 ataca novamente

Os 40 anos dos conflitos e experiências daquele ano convidam a um acerto de contas com os ideais e um balanço de vida diante de um mundo ainda extremamente desigual

por Marcelo Ridenti

No fim de 2007, antecipando-se à comemoração do 40º aniversário de 1968, o jornalista Elio Gaspari prenunciava em sua coluna o tom (auto)crítico que têm tomado as discussões, ao dizer que melhor seria se aquele ano não tivesse existido, ao contrário de 1989, este sim o ano significativo, devido ao colapso do império soviético. Já o ex-guerrilheiro Fernando Gabeira declarou que gostaria de “dizer adeus a tudo isso”.

São bem-vindos todos os debates, análises, críticas e autocríticas sobre 1968, que deve ser desmistificado. Mas qual 1968? Os movimentos contestadores de então foram muito diversificados, dos que pregavam paz e amor contra a guerra no Vietnã aos que achavam que flores não vencem canhões, inspirados na revolução cubana. O inconformismo ia da Primavera de Praga contra o socialismo real às insurgências contra o capitalismo mundo afora; das lutas específicas de mulheres, negros e homossexuais à contracultura e ao movimento ambientalista.

Acertar as contas com 1968 pode significar coisas diferentes para quem faz um balanço de vida: há os que se penitenciam pela crença na violência popular, os que atestam os exageros da liberdade sexual que redundaram na aids, sem contar que a aposta no potencial libertador do uso de drogas acabou tragicamente, como se sabe.

Por sua vez, os estudos acadêmicos espalham-se por todo o planeta, gerando uma infinidade de interpretações, desde as que vêem 1968 como uma insurgência contra o capitalismo até as que o consideram um exercício de modernização social, prefigurando o individualismo dos anos 70 e 80. O tema não se esgota e o mais provável é que um encadeamento de circunstâncias explique a época de 1968.

O que teria marcado essa época, dando-lhe unidade, apesar das diferenças? O sentimento generalizado de que transformações sociais profundas estavam ao alcance das mãos, e de que o mundo caminhava para elas. Parecia urgente transformar, e não conformar-se com a ordem estabelecida. Há quem interprete os anos 60 como a era da teoria. De fato, não faltavam teorizações. Mas a ação importava muito mais. Mais do que interpretar o mundo, buscava-se mudar a vida em todos os aspectos, construindo alternativas de existência que fugissem da polarização da Guerra Fria entre o capitalismo americano e o modelo soviético de socialismo.

No aspecto político, o que está em jogo hoje no debate sobre 1968 não é tanto a interpretação de suas causas e conseqüências, alcances e limites, mas a luta em novos termos entre os que se acomodaram à nova ordem mundial e aqueles que herdaram o espírito de 1968 e hoje apostam que “um outro mundo é possível”, em que os valores fundamentais não sejam os do lucro, mas da convivência e realização plena dos seres humanos, em suas relações entre si e com a natureza, que se expressam em lutas pela preservação do meio ambiente, pela igualdade entre os sexos, as culturas e as etnias, sem contar os embates renovados por um socialismo democrático.

Marcelo Ridenti é professor titular de sociologia da Universidade de Campinas (Unicamp) e pesquisador do CNPq. É autor de Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução (Record, 2000), entre outros livros .

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