Crise do Tibete evidencia os interesses cruciais da China
Frédéric Bobin
Muito além do legado de uma concepção imperial da China, a obsessão contemporânea de Pequim em relação à questão tibetana pode ser decodificada à luz dos interesses cruciais que estão em jogo, os quais se dividem em três categorias fundamentais:
- Interesses estratégicos: como parte da região do Himalaia, o Tibete ocupa uma posição vital, pois ele se projeta acima da Ásia do Sul, em particular da Índia, uma nação emergente potencialmente rival.
- Econômicos - o Tibete tem um subsolo riquíssimo em recursos minerais e hidráulicos, que são preciosos para o crescimento da China.
- Políticos - aos olhos de Pequim, a perda do Tibete criaria um precedente que traria riscos de precipitar a China, um império multi-étnico, num redemoinho de forças centrífugas.
Fortificação natural estratégica
Na sua região sul, o Tibete chinês compartilha cerca de 3.000 km de fronteiras com Mianmar, a Índia, o Butão, o Nepal e o Paquistão. Destes cinco Estados, a Índia é aquele com o qual a China cultiva a relação mais complicada. Para Pequim, o fato de controlar o Tibete equivale a dispor de uma fortificação natural estratégica, própria para manter a Índia sob controle e evitar que ela se torne uma ameaça.
No cerne da tensão sino-indiana, destaca-se o traçado da fronteira herdado da era colonial britânica: Nova Déli o ratificou oficialmente, mas Pequim o recusa. A este respeito, os dois países já haviam se enfrentado numa guerra, em 1962. Pequim saíra vitorioso do conflito e havia imposto o seu domínio total sobre o disputado território do Aksai Chin, situado ao extremo oeste da fronteira.
Além deste contencioso territorial, um outro litígio desempenha um papel de "provocador": o Estado indiano do Arunachal Pradesh (extremo leste), reivindicado por Pequim.
Existe também um terceiro foco de tensões que, por sua vez, foi deixado na surdina: o Sikkim, anexado em 1975 por Nova Déli e em relação ao qual Pequim decidiu fazer vistas grossas. Esta questão fronteiriça até hoje não foi solucionada, mas ela foi sendo deixada em segundo plano. Ela está sendo ofuscada atualmente por uma disputa por interesses estratégicos mais globais, vinculados à projeção regional da China.
O Tibete situa-se numa encruzilhada entre a Ásia do Sul e a Ásia Central, duas regiões onde os interesses de Pequim são mais prementes. Na Ásia do Sul, a China está sendo obrigada a lidar com a aliança privilegiada firmada pela Índia com os Estados Unidos e a se prevenir dos seus efeitos. Ao mesmo tempo, ela cultiva excelentes relações com o Paquistão, um fiel aliado que lhe abre uma rota até o oceano Índico. Além disso, na Ásia Central, a China precisa garantir as rotas energéticas através da qual são encaminhados o petróleo e o gás natural, provenientes - entre outros - do mar Cáspio. Neste contexto, o Tibete constitui uma peça essencial desta construção geopolítica regional.
Reservatório de recursos naturais
O Tibete (Xizang) quer dizer em mandarim "Casa dos tesouros do Oeste". Dá para entender por quê. Este país possui a segunda maior biomassa florestal da China, mas este recurso está se esgotando, uma vez que o processo de desmatamento adquiriu proporções catastróficas.
Um outro potencial vem estimulando as imaginações em Pequim e em Lhasa: os recursos minerais. As jazidas de cromo e de cobre da Região Autônoma do Tibete são as mais importantes que a China possui. Além disso, as suas reservas de bórax, de urânio e de lítio (50%) são as mais ricas no mundo. A imprensa chinesa vem celebrando ritualmente e com ênfase descobertas sucessivas de ferro, de ouro, de prata, de chumbo, de zinco, de cobalto... Em 2004, um artigo do "Cotidiano do Povo" chegou a ponto da avaliar em US$ 78,4 bilhões (equivalente hoje a R$ 136 bilhões) o potencial do Tibete em recursos minerais. A sua exploração já foi iniciada, mas ela enfrenta as condições adversas do terreno.
Um terceiro recurso oferece uma disponibilidade muito maior: a água. O Tibete histórico é o "reservatório de água da Ásia". Nele, dez dos maiores rios da região têm a sua fonte: o Yangzi (rio Azul), o Huang He (rio Amarelo), o Mekong, o Indus, o Brahmaputra, o Salween, o Irrawaddy, o Sutlej, além de dois afluentes do Ganges. Com isso, o Tibete possui, segundo a imprensa chinesa, 30% dos recursos hidráulicos da China. É uma sorte e tanto para Pequim, no momento em que a crise da água ameaça o norte do país.
Símbolo da coesão do império
A China enxerga a si mesma como um Estado multinacional. Oficialmente, 56 "nacionalidades" (minzu) foram recenseadas. Os han, que representam 92% da população, são fortemente majoritários. Mas os 8% de minorias ocupam um espaço de enorme importância no imaginário nacional, nem que seja através do predomínio de um folclore água-com-açúcar muito diversificado.
Acima de tudo, o espaço territorial que essas nacionalidades ocupam é gigantesco. Por si só, o Tibete histórico se estende por uma região que constitui um quarto do território chinês. É por conta disso que Pequim se mostra tão obcecado pelo risco de um contágio separatista que, ao disseminar-se por outras etnias - principalmente a etnia uigur do Xinjiang muçulmano, uma região fronteiriça da Ásia Central -, desagregaria o império. O nacionalismo da população chinesa não permitiria que isso aconteça.
Frédéric Bobin
Muito além do legado de uma concepção imperial da China, a obsessão contemporânea de Pequim em relação à questão tibetana pode ser decodificada à luz dos interesses cruciais que estão em jogo, os quais se dividem em três categorias fundamentais:
- Interesses estratégicos: como parte da região do Himalaia, o Tibete ocupa uma posição vital, pois ele se projeta acima da Ásia do Sul, em particular da Índia, uma nação emergente potencialmente rival.
- Econômicos - o Tibete tem um subsolo riquíssimo em recursos minerais e hidráulicos, que são preciosos para o crescimento da China.
- Políticos - aos olhos de Pequim, a perda do Tibete criaria um precedente que traria riscos de precipitar a China, um império multi-étnico, num redemoinho de forças centrífugas.
Fortificação natural estratégica
Na sua região sul, o Tibete chinês compartilha cerca de 3.000 km de fronteiras com Mianmar, a Índia, o Butão, o Nepal e o Paquistão. Destes cinco Estados, a Índia é aquele com o qual a China cultiva a relação mais complicada. Para Pequim, o fato de controlar o Tibete equivale a dispor de uma fortificação natural estratégica, própria para manter a Índia sob controle e evitar que ela se torne uma ameaça.
No cerne da tensão sino-indiana, destaca-se o traçado da fronteira herdado da era colonial britânica: Nova Déli o ratificou oficialmente, mas Pequim o recusa. A este respeito, os dois países já haviam se enfrentado numa guerra, em 1962. Pequim saíra vitorioso do conflito e havia imposto o seu domínio total sobre o disputado território do Aksai Chin, situado ao extremo oeste da fronteira.
Além deste contencioso territorial, um outro litígio desempenha um papel de "provocador": o Estado indiano do Arunachal Pradesh (extremo leste), reivindicado por Pequim.
Existe também um terceiro foco de tensões que, por sua vez, foi deixado na surdina: o Sikkim, anexado em 1975 por Nova Déli e em relação ao qual Pequim decidiu fazer vistas grossas. Esta questão fronteiriça até hoje não foi solucionada, mas ela foi sendo deixada em segundo plano. Ela está sendo ofuscada atualmente por uma disputa por interesses estratégicos mais globais, vinculados à projeção regional da China.
O Tibete situa-se numa encruzilhada entre a Ásia do Sul e a Ásia Central, duas regiões onde os interesses de Pequim são mais prementes. Na Ásia do Sul, a China está sendo obrigada a lidar com a aliança privilegiada firmada pela Índia com os Estados Unidos e a se prevenir dos seus efeitos. Ao mesmo tempo, ela cultiva excelentes relações com o Paquistão, um fiel aliado que lhe abre uma rota até o oceano Índico. Além disso, na Ásia Central, a China precisa garantir as rotas energéticas através da qual são encaminhados o petróleo e o gás natural, provenientes - entre outros - do mar Cáspio. Neste contexto, o Tibete constitui uma peça essencial desta construção geopolítica regional.
Reservatório de recursos naturais
O Tibete (Xizang) quer dizer em mandarim "Casa dos tesouros do Oeste". Dá para entender por quê. Este país possui a segunda maior biomassa florestal da China, mas este recurso está se esgotando, uma vez que o processo de desmatamento adquiriu proporções catastróficas.
Um outro potencial vem estimulando as imaginações em Pequim e em Lhasa: os recursos minerais. As jazidas de cromo e de cobre da Região Autônoma do Tibete são as mais importantes que a China possui. Além disso, as suas reservas de bórax, de urânio e de lítio (50%) são as mais ricas no mundo. A imprensa chinesa vem celebrando ritualmente e com ênfase descobertas sucessivas de ferro, de ouro, de prata, de chumbo, de zinco, de cobalto... Em 2004, um artigo do "Cotidiano do Povo" chegou a ponto da avaliar em US$ 78,4 bilhões (equivalente hoje a R$ 136 bilhões) o potencial do Tibete em recursos minerais. A sua exploração já foi iniciada, mas ela enfrenta as condições adversas do terreno.
Um terceiro recurso oferece uma disponibilidade muito maior: a água. O Tibete histórico é o "reservatório de água da Ásia". Nele, dez dos maiores rios da região têm a sua fonte: o Yangzi (rio Azul), o Huang He (rio Amarelo), o Mekong, o Indus, o Brahmaputra, o Salween, o Irrawaddy, o Sutlej, além de dois afluentes do Ganges. Com isso, o Tibete possui, segundo a imprensa chinesa, 30% dos recursos hidráulicos da China. É uma sorte e tanto para Pequim, no momento em que a crise da água ameaça o norte do país.
Símbolo da coesão do império
A China enxerga a si mesma como um Estado multinacional. Oficialmente, 56 "nacionalidades" (minzu) foram recenseadas. Os han, que representam 92% da população, são fortemente majoritários. Mas os 8% de minorias ocupam um espaço de enorme importância no imaginário nacional, nem que seja através do predomínio de um folclore água-com-açúcar muito diversificado.
Acima de tudo, o espaço territorial que essas nacionalidades ocupam é gigantesco. Por si só, o Tibete histórico se estende por uma região que constitui um quarto do território chinês. É por conta disso que Pequim se mostra tão obcecado pelo risco de um contágio separatista que, ao disseminar-se por outras etnias - principalmente a etnia uigur do Xinjiang muçulmano, uma região fronteiriça da Ásia Central -, desagregaria o império. O nacionalismo da população chinesa não permitiria que isso aconteça.
UMA POPULAÇÃO ESPALHADA DENTRO E FAORA DA CHINA
Os tibetanos do interior: Segundo os dados do censo chinês de 2000, os tibetanos constituiriam uma população de 5,4 milhões na República Popular da China. A Região Autônoma do Tibete abrigaria 2,4 milhões de habitantes, ou seja, 92% da população da entidade administrativa. Mas estas estatísticas oficiais minimizam a imigração dos chineses han, que hoje corresponderiam, segundo fontes independentes, a cerca do terço da população urbana. Além do mais, 3 milhões de tibetanos vivem nas províncias chinesas vizinhas (Sichuan, Qinghai, Yunnan, Gansu).
Os tibetanos do exterior: O levante reprimido de março de 1959, em conseqüência do qual o dalai lama opta por se exilar em Dharamsala (Índia), desencadeia um intenso fluxo migratório de tibetanos, que se refugiam no exterior. Segundo os números divulgados pelo governo tibetano no exílio, que datam de 1998, esta diáspora contaria 111.170 pessoas, das quais a esmagadora maioria (85.000) está instalada em Dharamsala. Seguem-se entre as principais terras que recebem os migrantes tibetanos o Nepal (14.000), o Butão (1.600), a Suíça (1.540), os Estados Unidos e o Canadá (7.000). Todos os anos, muitos tibetanos continuam fugindo, enfrentando muitos riscos e perigos, do Tibete chinês.
Tradução: Jean-Yves de Neufville
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